4.7.13

O Peixe e o Mar


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Uma vez pediram a um peixe para falar do mar.
- Fala-nos do mar – disseram-lhe.
- Dizem que é muito grande o mar – respondeu o peixe. Dizem que sem ele morreríamos. Não sou o peixe mais indicado para vos falar do mar. Eu, do mar, o que conheço bem são só estes dez metros à superfície. É só deles que vos posso falar. É aqui que passo o meu tempo, quase sempre distraído. Ando de um lado para o outro, à procura de comida ou simplesmente às voltas com o meu cardume. No meu cardume não se fala do mar. Fala-se das algas, das rochas, das marés, dos peixes grandes e perigosos, dos peixes pequenos e saborosos e de que temperatura fará amanhã. O meu cardume é assim: eles vão e eu vou atrás deles.
- Mas tu, que és peixe, nunca sentiste o mar?
- Creio que o sinto, às vezes, ao passar-me nas guelras. Umas vezes sinto-o, outras não. Às vezes sinto-o, quando não me distraio com outras coisas. Fecho os olhos e fico a sentir o mar. Isto tudo de noite, claro, para que os outros não vejam. Diriam que sou louco por dar tempo ao mar.
- Conheces o mar, portanto. Podes falar-nos do mar?
- Sei que é grande e profundo, mas não vos quero enganar. Sei de peixes que já desceram ao fundo mar. Quando os ouvi falar percebi que não conheço o mar. Perguntem-lhes a eles, que vos saberão falar do mar. Eu nunca desci muito fundo. Bem, talvez uma ou duas vezes… Um dia as ondas eram tão fortes que eu tive de me deixar levar muito fundo para não morrer. Nunca lá tinha estado e nunca esquecerei que lá estive. Apenas vos sei falar bem da superfície do mar…
- Foi mau, quando desceste? Por que voltaste à superfície?
- Não foi mau. Foi muito bom. Havia muita paz, muito silêncio. Era como se fosse lá a minha casa, como se ali eu estivesse inteiro.
- Por que não voltaste lá ao fundo? Por preguiça?
- Às vezes acho que é preguiça, outras vezes acho que é medo.
- Medo? Mas tu não disseste que era bom? Medo de quê?
- Medo do desconhecido, medo de me perder. Aqui à superfície já estou habituado. Adquiri um certo estatuto para mim mesmo. Controlo as coisas ou, pelo menos, tenho a sensação de as controlar. Lá em baixo não sei bem o que me pode acontecer. Estou todo nas mãos do mar.
- Tiveste medo, quando chegaste ao fundo do mar?
- Não tive medo algum. Era tudo muito simples… E no entanto agora tenho medo… Mas eu não cheguei ao fundo do mar! Apenas estive menos à superfície.
- E que dizem os outros, os que lá estiveram?  
- Dizem coisas que eu não entendo. Dizem que é preciso ir para perceber. E dizem que nada há de mais importante na vida de um peixe.
- E explicam como se vai?
- Aí é que está. Explicam que não se chega lá por esforço, que só podemos fazer esforço em deixar-mo-nos ir. Que é só o mar que nos leva ao mar.
Então veio uma corrente mais forte que o fazia descer. O peixe tentou lutar contra ela com quantas forças tinha, à medida que via distanciarem-se as coisas da superfície. Talvez para sempre… Mas depois fechou os olhos, confiou e já sem medo deixou-se ir.

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Sina



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É peixe quando pula e descortina

a clara possibilidade de mudar de opinião
é peixe quando sem ligar a seta muda o rumo
inverte a coisa, embola o pensamento e então ...
é peixe quando o germe da loucura
se transforma em claridade e anda pela contramão
é peixe quando anda no oceano de quarenta correntezas
sem nenhuma embarcação
é peixe quando salta o precipício da responsabilidade
e tem uma queda pra ilusão
é peixe quando anda contra o vento, desafia o sofrimento
e carrega o mundo com a mão
é peixe quando a luz do misticismo
se transforma na procura do princípio e da razão
é peixe quando anda no oceano de quarenta correntezas
sem nenhuma embarcação

(Oswaldo Montenegro - Os filhos de peixes)

XII signo do zodíaco. Dois peixes entrelaçados, cada um voltado para uma direção. Ninguém é mais mutável e volúvel que ele. Dizem que está sempre na fronteira entre dois mundos. Dizem que resume em si as qualidades e contradições dos outros signos. E que é um signo inconstante como o mar, um dia calmo n'outro cheio de cólera. Que é o signo do misticismo e da fé. Tem a cabeça entre as núvens e só sabe sonhar. E com seu coração sensível busca um mundo perfeito. 



“A ti Peixes, dou a mais difícil de todas as tarefas. Peço-te que reúnas todas as tristezas dos homens e as tragas de” volta para Mim. Tuas lágrimas serão, no fundo, Minhas lágrimas. A tristeza e o padecimento que terás de absorver são o efeito o efeito das distorções impostas pelo homem à Minha Idéia, mas cabe a ti levar até ele a compaixão, para que possa tentar de novo. Por esta tarefa, Eu te concedo o Dom mais alto de todos: tu serás o único de Meus doze filhos que me Compreenderá. Mas este Dom do Entendimento é só para ti, Peixes, pois quando tentares difundi-lo entre os homens eles não te escutarão.”
E Peixes retornou ao seu lugar.  (Martin Schulman – Karmic Antology)


Li que alguns são empáticos para com o sofrimento dos outros. E tem o que está sempre rodeado de dúvidas e medos. Há também aquele que consegue equilibrar lucidez e sonho. Segue forte como o vento que empurra as velas do navio. Mas também pescador de almas perdidas, se desintegra com as dores da humanidade. 

Em peixes tudo é vasto, infinito. Intenso. 
Praticamente, pelo que entendi destes trinta e nove anos navegando pelos mares de minha vida é que ser pisciana é minha sina.

"Muitas vezes, há uma clara divisão na sua vida, como se fosse um antes e um depois. Um antes em que algumas coisas pareciam muito difíceis e o depois, em que haverá maior encaixe, ainda que não a sonhada perfeição. Aqueles que experimentarem esta divisão já serão vitoriosos, pois alguns ficam a vida toda como numa busca que nunca termina. No fundo, é a fé quem afasta Peixes da beira do precipício e lhe dá a base de que tanto precisa para ao menos começar a passear mais tranquilo pela vida."


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