11.5.12

Vai de caminhão ou bicicleta?



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(foto: Anne Valente; Praia do Forte/Cabo Frio)

Há pouco tempo, conversando com a dona de um salão de beleza qe funcionários e clientes costumam descrever como uma pessoa leve, perguntei o que estava por trás daquela leveza... Conceição respondeu:
"Tem gente que vem pro mundo de caminhão e tem gente que vem de bicicleta. Eu sou da turma da bicicleta."

Acostumada a arrastar baús cheios de ansiedade e de medos, tive certeza, naquela hora de que estava na outra turma: a das carretas com excesso de carga, que trafegam perigosamente por estradas sem acostamento.  Foi ai que decidi que era hora de mudar de vida. Uma reflexão sobre a possibilidade de se viver de forma menos complicada, carregando menos peso.

Não falo aqui sobre a leveza que aliena e nos condena à superfície. "É preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma", disse o escritor francês Paul Valéry. A pluma flutua - um voo sem plano, sem direção, sem desafios. Os pássaros riscam o ar com precisão, colocam a leveza a serviço do existir. Uma pedra pode interromper o voo, mas até que isso aconteça as asas sabem onde e como ir.

Quando penso na leveza, penso na possibilidade de sermos pessoas capazes de deixar o mundo menos opaco, menos pesado, menos inerte. O peso da alma afeta profundamente a pessoa que o carrega - ainda que não perceba. Seres que passam a vida arrastando correntes são infelizes. A vida inclui angústia, tristeza, inseguranças, a precariedade da existência. Mas que possamos fazer deste mundo um lugar menos complicado, menos estressante, em que seja possível conviver com mais cordialidade e menos impaciência, e aprender a nos respeitar e nos conhecer.

Por isso a leveza que proponho aqui é aquela que reconhece a existência das sombras e as incorpora. Aquela que admite que a vida é barra-pesadissima e que nem sempre é possível ver um lado bom no que nos desgasta, nos amedronta, nos faz sofrer. Mas que, mesmo enquanto estivermos tristes, ansiosos ou deprimidos, possamos ser pessoas que não abrem mão da civilidade, da compaixão e do mínimo de elegância para conviver... Não sair pelo mundo sem bagagem. É, simplesmente eliminar o excesso de peso.

(do livro A Arte de Ser Leve, Leila Ferreira - Editora Globo)

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Um comentário:

Gigi disse...

perfeito!
adorei isso:
"mesmo enquanto estivermos tristes, ansiosos ou deprimidos, possamos ser pessoas que não abrem mão da civilidade, da compaixão e do mínimo de elegância para conviver... "
não me orgulho de toda a carga desnecessária que carrego, mas tenho muito orgulho dessa tal elegência para conviver!
bjos, Magrela!